Como tem sido traduzir originalmente do francês uma obra a muito esquecida.
“Um bom tradutor tem que reinventar o livro para uma outra língua.”
José Eduardo Agualusa

É um imenso prazer ter a oportunidade de traduzir uma obra tão icônica da literatura francesa. Uma satisfação acompanhada de enorme responsabilidade. Além de ser um clássico, trata-se também de um personagem que agora transita pelas telas de milhões de casas ao redor do mundo, em uma série que bate recordes de audiência. Estamos falando de Arsène Lupin, o gentil ladrão, cujos segredos serão revelados nessa obra que estamos lançando.
Maurice Leblanc deu vida ao ladrão mais famoso do mundo — que ousou enfrentar o maior detetive de todos os tempos, Sherlock Holmes (ou Herlock Sholmes) — levando em consideração a realidade francesa da primeira metade do século XX. Suas roupas, relações e reflexões são pautadas no universo em que ele foi criado. É por isso que, na série Lupin, esse perfil foi atualizado na figura de Assane Diop, um personagem pensado para o seu tempo, ou seja, o século XXI, no qual os avanços tecnológicos colaboram para o seu modus operandi.

Quando pensamos na tradução de As Revelações de Arsène Lupin, tivemos que fazer um exercício de interpretação das realidades, seguindo um caminho parecido com o percorrido pela série da Netflix. Ou seja, nos propusemos a atualizar a linguagem, aproximando-a mais do português brasileiro contemporâneo, o que permite uma leitura mais fluida e dinâmica.
O trabalho de tradução, como diz o escritor angolano José Eduardo Agualusa, demanda uma reinvenção do original para a língua alvo, considerando seus aspectos históricos, sociais, geográficos, linguísticos, políticos, entre outros. Por isso, fala-se constantemente em recriação e reescrita, porque é necessário considerar também, enquanto tradutor, a evolução da língua e a cultura do país para qual a obra está sendo traduzida.

Da mesma forma que Lupin faz no livro que traduzimos, nós também viemos aqui fazer revelações. Primeiramente, gostaríamos de dizer que não somos ladrões… talvez um pouco, no campo das ideias! E vamos contar alguns detalhes do nosso processo de tradução, o ofício por trás das cortinas.
Um grande desafio que enfrentamos logo no primeiro conto foi a mudança do nome do cavalo Etna para Raio (esse trecho contém spolier, decifre apenas se já tiver lido o bookteaser). O termo é a chave para uma charada baseada em frases no idioma original, o que não nos permitia, ao traduzi-las, recuperar as mesmas letras. Etna remete a um vulcão ativo situado na Itália. Precisávamos de um termo com quatro letras que resguardasse as características do nome original. Optamos por Raio por também se tratar de um fenômeno da natureza com poder destrutivo, com força e velocidade, o que define bem o cavalo campeão de corrida do livro.
Em certo momento, precisamos recriar um código que faz uma correspondência entre letras e palavras para que as frases, em português, ficassem verossímeis para o leitor. Nesse mesmo caminho, precisamos recriar uma mensagem quebrada com erros gramaticais, o que nos levou a tentar entender como um erro de linguagem poderia ser transposto para outro idioma.
Da mesma maneira, o título do conto não pôde ser traduzido ao pé da letra, mantendo a mesma metáfora. Foi preciso fazer uma adaptação, chamando a atenção para outro elemento enigmático do texto que também enfatiza o mistério da narrativa.

De fato, Leblanc é muito bom com enigmas, o que exigiu muito de nós. Transpor esses mistérios em forma de charadas para o nosso idioma foi, ao mesmo tempo, prazeroso e desafiador. Tivemos que lançar mão de um poder de recriação, mas sem desrespeitar os limites da intervenção. Pensamos em tudo com muito carinho para que você, leitor, possa desfrutar ao máximo das aventuras desse intrigante personagem.

Ficamos por aqui, agora você terá que encontrar seus próprios desafios mergulhando no universo de Lupin. Bons enigmas e ótimas leituras!

Conheça o projeto em financiamento coletivo em: https://www.catarse.me/lupin

Marco Hruschka é graduado, mestre e doutorando em Letras pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). É professor de língua francesa, e pesquisador no campo da literatura e publica seus estudos em revistas e livros especializados. É um dos tradutores do livro “A canoa voadora: lendas canadenses”. Publicou os livros “Tentação” (poemas – 2010) e “No que você está pensando?” (2014).

Luigi Ricciardi é mestre e doutor em literatura, professor de língua francesa e crítico literário. Fundou a revista Pluriverso e foi colaborador dos sites Homo Literatus e Obvious, além dos jornais O Diário e Gazeta Democrática. Publicou cinco livros de contos e o romance Os passos vermelhos de John: ou a invenção do tempo (2020). Mantém o canal Acrópole Revisitada, no Youtube.