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Por que amamos vilões — por uma perspectiva histórica e psicológica

Quem não ama um (bom) vilão?

Os vilões têm ganhado cada vez mais espaço na cultura pop — e em nossos corações. O sucesso é tamanho que muitos já se tornaram o foco da narrativa em produções próprias. Filmes como “Malévola” (2014), “Coringa” (2019) e “Cruela” (2021) têm sido cada vez mais comuns, batendo recordes de bilheteria. Mas o que explica tamanho fascínio por personagens teoricamente desprezíveis?

Joaquin Phoenix em “Coringa” (2019).

Analisando a trajetória de alguns dos mais famosos vilões das HQs e do cinema — e sua recepção pelo público —, fica clara uma influência sociocultural sobre a maneira como esses personagens são retratados. Mas é notável, também, um viés pessoal, psicológico.

Vamos por partes…

Diferentes épocas, diferentes vilões

Em uma realidade em que produções hollywoodianas ainda dominam o mercado cinematográfico, a história de seu país de origem não pode ser ignorada. 

Nos anos 50 e 60, os Estados Unidos eram (em sua própria perspectiva) os “grandes heróis”, dada a recente vitória na Segunda Guerra Mundial, ao mesmo tempo que viviam um momento de tensão ideológica e geopolítica com a União Soviética, na chamada Guerra Fria.

Esse contexto fez surgir os primeiros retratos daqueles que ficaram popularmente conhecidos como bad russians nas narrativas cinematográficas: a “ameaça” do comunismo e o estereotipado inimigo como o mal absoluto na dicotomia estadunidense. Mesmo vilões não russos, às vezes sequer terrestres, eram “anti-americans”. O mal, o sujo, o problema era sempre o outro.

Frank Sinatra e Laurence Harvey em cena de “The Manchurian Candidate” (1962). Agentes soviéticos e comunistas chineses são os grandes vilões do filme.

Embora essa dicotomia seja também muito forte nos anos 80 (“Amanhecer Violento” e “Rocky IV” são dois grandes expoentes da época), o excepcional contexto dos anos 70 trouxe um respiro à arrogância narrativa. Afinal, a guerra do Vietnã, movimentos pelos direitos civis e outros tantos revolucionários, como o Partido dos Panteras Negras, escancararam os problemas latentes de uma terra e uma sociedade não tão perfeitas.  

Filmes como “Laranja Mecânica” (1971), “O Poderoso Chefão” (1972), “Serpico” (1973), “Chinatown” (1974), “Um Estranho no Ninho” (1975), “Todos os Homens do Presidente” (1976) e “Taxi Driver” (1976) trouxeram para casa a crítica política, expondo as falhas de um sistema opressor, corrupto e cruel. 

Os anos 90, por sua vez, foram marcados pelo terrorismo como principal pano de fundo em diversas produções, mais uma vez refletindo o contexto sociopolítico da época, mas ainda a um nível local. Ao longo dos anos 2000, porém, especialmente após os atentados de 11 de setembro, o imaginário geral foi tomado pela ameaça terrorista internacional.

Hoje em dia, felizmente, os vilões falam sobre os problemas de nosso tempo com uma consciência crescente. Veja Thanos e sua “solução” para a escassez de recursos, por exemplo. Ou Erik Killmonger, de “Pantera Negra” (2018) — ninguém pode negar que sua causa é justa. A segregação e opressão estrutural de uma sociedade racista estão entre os temas mais importantes do mundo atual.

Michael B. Jordan é Erik Killmonger em “Pantera Negra” (2018).

É claro, o filme nos mostra que os fins não justificam os meios. Erik se radicaliza, torna-se excessivamente violento, mas já não é um vilão “8 ou 80”, o que acaba por inspirar empatia, até simpatia por parte do público. 

Em um exemplo ainda mais recente, “Cruella” (2021) evita qualquer tipo de maus tratos aos animais. A recém-lançada temporada de “Loki”, por sua vez, abandona as cenas rápidas e o ritmo intenso tão característicos de produções do gênero para dar lugar a um desenvolvimento mais cuidadoso (e detalhado) de seus personagens, trazendo um vilão filosófico e levantando questões como destino x livre arbítrio. 

Percebe-se, assim, que a linha entre o vilão e o antagonista tem se tornado cada vez mais tênue.

Se não é real, tudo bem

Falemos agora sobre o fator psicológico da questão. 

As pessoas, de maneira geral, tendem a ver a si próprias como boas, amáveis, competentes, entre outros tantos adjetivos que poderíamos listar. Somado a isso, a hipótese de que os seres humanos têm uma preferência inconsciente por coisas que associam a si mesmos — algo chamado implicit egotism — muito faz sentido.

Dessa forma, a identificação em qualquer nível com um criminoso, por exemplo, ou alguém que por qualquer motivo desprezamos, tende a ser incômoda, muitas vezes negada. Um estudo da Universidade de Yale ilustra bem essa questão: após responderem a um teste de personalidade, os participantes formaram pares com pesquisadores disfarçados, os quais em alguns casos se comportavam bem, em outros se comportavam mal.

Os participantes eram informados se compartilhavam semelhanças com seus pares e posteriormente convidados a avaliá-los. Ao final do estudo, observou-se que a avaliação de cada participante havia sido influenciada pelo grau de semelhança, levando os estudiosos a concluir que as características negativas dos pesquisadores “mal comportados” eram interpretadas como “auto ameaça” pelos participantes.

Em um universo fictício, porém, isso deixa de ser uma preocupação. Por um lado, a arte perderia parte de seu potencial criativo se fosse limitada ao certo e errado do mundo real. Por outro, um universo fictício nos permite extrapolar limites, cruzar a linha e explorar nosso “lado sombrio” sem que sejamos julgados (pelo próximo e por nós mesmos) como más pessoas — o que também explica nosso gosto por vilões.

Um dos vilões mais amados pelo público, Tom Hiddleston como Loki em nova série da Disney+ (2021).

E aqui cabe a menção a um outro estudo, da Northwestern University, que analisou dados de usuários que responderam aos famosos testes de personalidade do tipo “que personagem você é”. Os resultados mostram que os usuários atraem-se por vilões com quem compartilham características e são fãs daqueles cujas personalidades assemelham-se às suas


E assim a psicologia e a história nos mostram como um fenômeno tão comum, aparentemente inofensivo, tem raízes mais profundas do que muitos poderiam imaginar.

Curtiu o conteúdo? Então conta pra gente nos comentários qual o seu vilão favorito, e por quê 😉

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