Ao mergulhar nos mares do sci-fi, encontramos a pedra bruta inicial responsável por inspirar a literatura do século XX. Em meio a duas Guerras Mundiais e rumando à ascensão do Fascismo e do Nazismo, em 1920 surgia uma obra que estabeleceria a base para nomes do sci-fi como Isaac Asimov, Philip K. Dick e Aldous Huxley. Estamos falando de R.U.R.: Robôs Universais de Rossum, de Karel Čapek.
Em R.U.R., o termo “robô” aparece pela primeira vez em uma obra de sci-fi para denominar seres autômatos. A ideia de criaturas robóticas tão semelhantes aos humanos, por estes criadas e escravizadas, seria posteriormente explorada por Asimov em Eu, Robô (1950) e por K. Dick em Androides Sonham com Ovelhas Elétricas? (1968), assim como a questão que se faz central em tantas obras de ficção científica: o que significa ser humano?
Karel Čapek concorreu sete vezes ao Prêmio Nobel de Literatura e, apesar de não ter levado nenhum para casa, inspirou a criação do Prêmio Karel Čapek, concedido a obras literárias que contribuem para reforçar ou manter os valores democráticos e humanistas na sociedade.
Tão grande quanto os grandes
Čapek foi autor de romances e novelas dos mais variados gêneros. Antifascista declarado, suas obras exibiam forte senso crítico, abordando questões como violência e totalitarismo, poder corporativo e governamental, frequentemente por uma perspectiva ética. Alguns de seus trabalhos mais conhecidos são The Absolute at Large (1922), The Tales from Two Pockets (1929) e a trilogia Hordubal (1933), Meteor (1934) e An Ordinary Life (1934), obras de cunho filosófico e epistemológico.
A Guerra das Salamandras (1936) — sobre a descoberta, subsequente exploração e inevitável revolta de uma nova espécie de salamandras gigantes, incrivelmente inteligentes — é descrita pelo The New York Times como uma obra-prima, pela qual Čapek mereceria “um lugar no Monte Rushmore de profetas autorais, ao lado de George Orwell, Aldous Huxley e Margaret Atwood”.
Romance distópico, A Guerra das Salamandras é por muitos considerada uma sátira aos regimes segregatórios e totalitários que poucos anos depois atingiriam seu ápice. Perpassando ciência, política, economia e religião e expondo uma visão extremamente crítica e pessimista sobre o futuro da humanidade, é comumente comparada a Admirável Mundo Novo (1932) e 1984 (1949).
A contribuição de Asimov
R.U.R.: Robôs Universais de Rossum estreou no exato ano de nascimento de Isaac Asimov, considerado um dos grandes mestres da ficção científica. Enquanto Karel Čapek, em R.U.R., cunha o termo “robô”, Asimov é o responsável pela criação do vocábulo “robótica” — um claro derivado — e pelas famosas Três Leis da Robótica:
- Primeira Lei: um robô não pode ferir um ser humano ou, por inação, permitir que um ser humano sofra algum mal.
- Segunda Lei: um robô deve obedecer as ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, exceto nos casos em que tais ordens entrem em conflito com a Primeira Lei.
- Terceira Lei: um robô deve proteger sua própria existência, desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira ou Segunda leis.
Čapek, portanto, inaugura o enredo da revolta das máquinas, tão explorado por autores de ficção científica nas décadas seguintes. Asimov, por sua vez, aprofunda-se na questão com uma abordagem mais complexa, a qual ainda hoje é alvo de análise quando se discute o avanço da ciência e da tecnologia.
É irônico pensar que a ficção científica por muito tempo permaneceu menosprezada por acadêmicos, considerada uma literatura irrealista e inferior. O trabalho de Karel Čapek é exemplo de seu potencial crítico em aspectos sociopolíticos e sobre a própria condição humana, sob forma de sátiras e alegorias.
Hoje em dia, obras quase seculares tornam-se cada vez mais verossímeis: um estudo de 2019 publicado pela Universidade de Brasília (UnB) aponta que 54% dos empregos formais no Brasil estão sob ameaça de substituição por máquinas. Estudos do tipo já haviam sido feitos em outros países, com resultados similares.
Embora ainda estejamos longe (ou talvez nem tanto?) da criação de robôs tão semelhantes aos seres humanos, a questão trabalhista não pode ser ignorada. Afinal, em 1920 já dizia um personagem de R.U.R.: “O melhor tipo de trabalhador é o trabalhador mais barato, o que tem menos necessidades”.