Estamos apresentando Machado de Assis aos poucos, se você perdeu os argumentos A e B, confira o texto anterior.
C. A metalinguagem machadiana:
Em suma, a metalinguagem é um recurso do como fazer algo. De maneira mais simples, quando um escritor falar de seu próprio texto, é um poema falando de como fazer um poema, por exemplo. Ou seja, pela voz do narrador, quando este, tem consciência de que o fato que narra é um livro. O livro, por sua vez, tem um publico leitor.
Na obra Dom Casmurro, Machado consegue utilizar no narrador, que é Bento Santiago, a metalinguagem, ora se direcionando ao leitor com o intuito de quebrar o espírito de emoção, tentando distanciar o leitor do fato narrado. No primeiro capítulo o narrador conversa com o leitor indicando de onde surgiu seu apelido e, consequentemente, o título da obra.
Não consultes os dicionários […] também não achei melhor título para minha narração; se não tiver outro daqui até o fim do livro, vai este mesmo […] Há livros que apenas terão isso dos seus autores […]. Agora que expliquei o título, passo a escrever o livro.
Ao estar ciente de que narrará uma história e que essa, por sua vez, faz parte de um livro, o recurso literário da metalinguagem é diferente da empregada por José de Alencar, que fazia tal uso para atrair e aproximar o leitor, sentir ternura e afeto pelo fato narrado. Bento narrando, por vezes, procura fazer o leitor pensar, vencê-lo por argumentos de sua tese.
Que é demasiada metafísica para um só tenor, não há dúvida; mas a perda da voz explica tudo, e há filósofos que são, em resumo, tenores desempregados […]
O comentário irônico se refere a um pensamento do maestro italiano Marcolini, sua linguagem é musical e este compara a vida à ópera, exemplificando, outra vez, a posição do narrador ao fato, se dirigindo posteriormente ao leitor para explicar porque agiu de tal maneira e afirmando que tal teoria lhe é aprazível.
Eu, leitor amigo, aceito a teoria do meu velho Marcolini, não só pela verossimilhança, que é muita vez toda a verdade, mas porque a minha vida se casa bem à definição.
D. O ponto de vista do narrador
Em Machado de Assis, um narrador que conta um fato a partir de seu ponto de vista é completamente metalinguístico. Ele utiliza a intervenção, interrompendo o curso da narrativa, para inserir os seus comentários ou enfatizar algum fato ao leitor. Em Esaú e Jacó (Machado sd. p. 3)
“Bárbara inclinava-se aos retratos, apertava uma madeixa de cabelos em cada mão, e fitava-as, e cheirava-as, e escutava-as, sem a afetação que porventura aches nesta linha”.
A ciência do narrador de que a imaginação do leitor deve ser superior à simples leitura da linha que, por sua vez, se encontra dentro de um livro, é um recurso metalinguístico de intervenção da leitura para enfatizar o fato ao leitor. Adiante, na mesma obra, observamos situação semelhante:
Perdoa estas minúcias. A ação podia ir sem elas, mas eu quero que saibas que casa era, e que rua, e mais digo que ali havia uma espécie de clube, templo ou o que quer que era espírita.
O narrador machadiano conversa com o leitor, desculpando-se das minúcias que em exaustão emprega, como uma auto-crítica do papel do narrador.
Nas queridas Memórias Póstumas de Brás Cubas temos:
Há aí, entre as cinco ou dez pessoas que me lêem, há aí uma alma sensível, que está decerto um tanto agastada com o capítulo anterior, começa a tremer pela sorte de Eugênia
No trecho, observamos que o leitor o qual ele se refere é o leitor romântico, a expectativa de torcer para o personagem é quebrada em seguida, quando Cubas indica que agiu como um homem e que se aproveitara. Acusa o leitor de estar lendo erroneamente, e pede que o assunto seja encerrado:
[…] limpa os óculos, — que isso às vezes é dos óculos, — e acabemos de uma vez com esta flor da moita.
O narrador afasta o leitor do fato narrado, incentivando-o a pensar de uma maneira diferente sobre a atitude de Cubas.
Os trechos foram poucos, a intenção é que eles sirvam de exemplo na hora de reconhecer a linguagem machadiana nos livros.
No próximo momento, falaremos sobre o Realismo literário de Machado.