Como uma contribuição para iniciarmos discussões básicas sobre a vivência das mulheres negras, relacionei aqui 7 autoras negras que foram fundamentais — pelo menos para mim — para o reconhecimento do feminismo negro e para exaltar a necessidade do protagonismo da mulher negra e elevar a sua narrativa. Autoras que me mostraram que nós, mulheres negras, também temos direito de sermos protagonistas de nossas histórias.
Assim, falarei de autoras mais antigas e mais recentes que exploraram a ideia de “Lugar de Fala” de forma a expor a realidade da mulher negra do século XX e XXI.
Trago aqui um pouco sobre elas e suas principais obras, que podem ser livros didáticos, romances, artigos, crônicas ou poesias, que formam o que chamo de “Básicos da Literatura sobre Feminismo Negro”.
Foto: Oregon State University
Nascida em janeiro de 1944, em Birmingham, Alabama, Angela é hoje professora emérita de estudos feministas da Universidade da Califórnia e filósofa socialista, sendo muito conhecida por sua participação no Partido Comunista dos Estados Unidos e no Partido Panteras Negras, durante a década de 1970.
Durante a década de 1960, militou no partido comunista e em vários movimentos negros e feministas, sendo filiada de organizações como o Black Power e os Panteras Negras. Mexeu tanto com o ambiente que chegou a figurar na lista dos Dez Fugitivos Mais Procurados do FBI, em 1970, por tentar ajudar em uma fuga de tribunal em São Francisco. Fugiu do estado e foi intensamente cassada pelo FBI por dois meses, até ser presa em outubro de 1970. O período do julgamento durou muito e trouxe à tona toda uma discussão sobre a condição dos negros na sociedade, sendo alvo de protestos contínuos pela libertação dela, inclusive apoiados por personalidades como John Lennon e Yoko Ono, e os Rolling Stones. O período de 18 meses (!!!) culminou com a libertação de Angela.
Ela escreveu vários livros, muitos deles sobre a vivência da mulher negra e sobre a situação carcerária do país, que possui a maior população carcerária do mundo (2,6 milhões de encarcerados, e em que, “pasmem”, percentualmente, a maioria dessa população é negra ativista a favor da abolição da pena de morte na Califórnia.
Mesmo sendo marxista, Angela defende que os problemas de raça e gênero podem se sobrepor aos problemas de classe. “Raça é a maneira como a classe é vivida. Da mesma forma que gênero é a maneira como a raça é vivida”. E assim, critica a esquerda ortodoxa que defende uma primazia da luta de classes sobre as opressões de raça e de gênero.
É neste livro que Davis apresenta também o debate sobre encarceramento e traz suas propostas sobre abolicionismo penal – mostrando que o punitivismo como saída para o combate da criminalidade e violência não funciona, já que as altas taxas de encarceramento nos EUA não diminui as taxas de criminalidade. E assim, denuncia o encarceramento em massa da população negra e o racismo institucional.
Baseando-se na ideia do “o pessoal é político” da segunda onda feminista, Angela descreve como os eventos que culminaram na sua prisão partiam de muito além da sua condição de indivíduo, mas de toda uma trama criada para criminalizar o movimento negro dos EUA e marcá-lo como organização terrorista. Qualquer relação com a atualidade política brasileira não é mera coincidência, porque a história pode até não se repetir, mas se copia.
Foto: Kevin Andre Elliot
bell nasceu Gloria Jean Watkins, numa área rural do estado do Kentuck, em 25 de setembro de 1952, é uma autora, teórica feminista, artista e ativista social americana.
O nome “bell hooks” foi escolhido por ela inspirado na sua bisavó materna, Bell Blair Hooks. O uso da letra minúscula desafia convenções linguísticas, mas pretende desviar o foco de sua pessoa para concentrar-se no conteúdo da sua escrita e assim não ficar sempre presa a uma identidade particular estática.
bell estudou em escolas públicas para negros nos EUA, ainda durante a Segregação. Já no ensino médio, passou para uma escola integrada, onde foi vítima de discriminação por fazer parte de uma minoria numa escola majoritariamente branca.
Posteriormente, se formou em literatura inglesa na Universidade de Stanford, fez mestrado na Universidade de Wisconsin e doutorado na Universidade da Califórnia.
A obra de hooks se concentra na interseccionalidade entre raça, capitalismo e gênero e sua capacidade de produzir e perpetuar sistemas de opressão e dominação de classe. Mais atualmente, baseando-se na pedagogia de Paulo Freire, seu trabalho aborda raça, classe e gênero na educação, arte, história, sexualidade e mídias de massa. Ela é autora de mais de trinta livros incluindo crítica cultural, teoria, poesia e literatura infantil.
bell destaca como o feminismo hegemônico focava em um grupo de mulheres brancas e de classe média, baseadas em ideais de liberdade e igualdade modernos, mas que não incluíam mulheres de cor e da classe trabalhadora.
Partindo desse discurso, bell discutiu o racismo e o sexismo presentes no discurso dos direitos civis e no movimento feminista, entre o sufrágio feminino e os anos 1970. Examina assim o impacto do sexismo nas mulheres negras durante a escravidão, falando inclusive sobre a cultura da sexualização da mulher escravizada e seguinte desvalorização da mulher negra, com a construção de estereótipos subumanos; fala do patriarcado e machismo de homens brancos e negros; o racismo ou apagamento racial do movimento feminista; e o envolvimento da mulher negra no feminismo.
Foto: Chris Boland
Chimamanda nasceu em Abba, na Nigéria, e hoje é reconhecida como uma das mais importantes jovens autoras em língua inglesa, que tem atraído atenção para a literatura africana. Segundo ela, Chimamanda se descobriu feminista ainda na adolescência, quando percebeu que havia situações em sua rotina em que era tratada diferentemente dos homens à sua volta.
Filha de um professor e da primeira administradora mulher da Universidade da Nigéria, Chimamanda escreveu seus primeiros contos quando tinha apenas 7 anos de idade. Aos 19, após cursar 18 meses de medicina e farmácia na universidade, ela resolveu deixar a Nigéria para estudar nos EUA. Estudou primeiramente em Drexel, na Filadelfia, e depois na Universidade de Connecticut. Estudou escrita criativa na John Hopkins, em Baltimore e mestrado em estudos africanos em Yale. Publicou seu primeiro romance em 2003, o livro Hibisco Roxo.
Sejamos todos feministas (2014): Chimamanda se tornou famosa por este livro, que se originou em seu segundo aclamado discurso homônimo feito no TED Talks. Nesse livro, oferece uma definição para o feminismo do século XXI, baseado na inclusão da consciência. Focando em suas próprias experiências e no seu entendimento na realidade mascarada da política de gênero, Chimamanda explora o que significa ser mulher no agora e clama para que todos sejamos feministas no século XXI;
Foto: Agência PT
Djamila é uma ativista do movimento negro, filósofa, feminista e acadêmica brasileira. Ela é formada em Filosofia política pela Unifesp. É hoje um dos grandes nomes do feminismo negro brasileiro e acaba de lançar a coleção Feminismos Plurais, onde traz uma curadoria de vários autores discutindo temas relacionados aos negros e às mulheres brasileiras.
Uma de suas grandes influências de militância foi o pai que era um estivador pobre, mas ativista comunista e militante, que inclusive foi quem escolheu seu nome, um nome africano.
Djamila se envolveu aos 18 anos com a Casa da Cultura da Mulher Negra, uma ONG santista que trata de assuntos de raça e gênero. Foi onde Djamila passou a estudar esses temas;
Primeiramente, Djamilia cursou Jornalismo, sem ter concluído o curso. Já em 2007, casada e mãe, resolveu prestar vestibular para Filosofia na Unifesp, curso em que se graduou em 2012. Em 2015, tornou-se mestre em Filosofia Política também pela Unifesp.
Atualmente é escritora especializada em relações raciais e de gênero no feminismo. Também é colunista da CartaCapital e do site Blogueiras Negras, é bastante intensa no ativismo digital, pois defende a importância de se usar a internet como uma ferramenta livre para a militância e representação de mulheres negras, já que tais temas costumam ser ignorados pela mídia mais comum.
Escreveu o prefácio das edições brasileiras de Mulheres, raça e classe, de Angela Davis e de Eu Sei Porque o Pássaro Canta na Gaiola, de Maya Angelou.
“Ao perder o medo do feminismo negro, as pessoas privilegiadas perceberão que nossa luta é essencial e urgente, pois enquanto nós, mulheres negras, seguirmos sendo alvo de constantes ataques, a humanidade toda corre perigo.”
O conceito de lugar de fala é aquele que confronta o conhecimento produzido pela epistemologia hegemônica e transfere o direito ao discurso para as pessoas que têm a vivência relacionada a esse discurso.
Foto: Talbot Troy
Maya Angelou é o pseudônimo de Marguerite Ann Johnson, a famosa escritora e poetisa negra americana, falecida em 2014.
Marguerite passou a infância sob os cuidados de sua avó paterna, Annie Henderson, vivendo nos estados da Califórnia, Arkansas e em St. Louis, no Missouri.
Aos oito anos de idade, foi violentada por um namorado da mãe em St. Louis, um estuprador que depois foi assassinado a tiros pelo tio dela. Esse episódio super-dramático levou Maya a ficar muda por meses, tanto pela violência, quanto pela culpa pela morte do homem. Esse problema levou anos para ser superado, com a ajuda de uma vizinha atenciosa e pelo grande amor pela literatura.
Em 1945, aos 17 anos, Maya passou a trabalhar como a primeira motorista de ônibus negra de São Francisco, ao mesmo tempo em que se tornou uma jovem mãe solteira, em uma época em que isso era escandaloso e bastante incomum. Em anos posteriores, tornou-se a primeira mulher negra a ser roteirista e diretora de Hollywood.
Durante a década de 1950, ela finalmente adotou o nome de Maya Angelou e se afirmou como atriz, cantora e dançarina em muitas montagens teatrais no país.
Também se tornou uma mulher engajada na luta pelos direitos civis. Se tornou amiga de Martin Luther King Jr. e Malcom X, na década de 1960, época em que também trabalhou e viajou pela África (como Egito e Gana) como jornalista e professora. Lá auxiliou em diversos movimentos de independência africanos.
Foto: Andre Seiti
Aparecida Sueli Carneiro é uma filósofa, escritora e ativista do movimento negro brasileiro. Em 1988 ela fundou o Geledé-Instituto da Mulher Negra em que é atual diretora. É doutora em Filosofia e educação pela USP e juntamente com Lélia Gonzales é considerada uma das autoras seminais do feminismo negro brasileiro.
Sueli nasceu na Zona Norte de São Paulo em 1950, sendo a filha mais velha dos 7 filhos de uma costureira com um trabalhador ferroviário e tendo sido alertada pelos seus pais sobre racismo, foi vítima dessa discriminação na escola — a escola, muitas vezes, é o primeiro ambiente em que pessoas negras convivem com o racismo.
De sua vivência saiu sua percepção e seus estudos sobre o racismo, que posteriormente acompanharam os movimentos antirracistas e de feminismo negro no mundo todo.
Além de escrever sobre gênero, raça e direitos humanos, nos anos 2000, Sueli abraçou a causa das cotas raciais nas universidades brasileiras, defendendo-as em audiência pública no Supremo, em 2010;
Na primeira parte do livro, “Direitos Humanos”, ela faz uma contextualização histórica e geográfica acerca das consequências da escravidão, citando a divisão da humanidade em raças e com hierarquias entre elas. Há um levantamento de todos os feitos do país desde o governo de Fernando Henrique Cardoso, com as primeiras políticas de inclusão racial, a participação do Brasil na Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, que ocorreu em Durban, na África do Sul, em 2001. Também são expostos fatos ocorridos durante o governo Lula, como a ocupação de postos governamentais por pessoas negras, além de um dos principais avanços: a promulgação da lei n. 10.639/03, que institui no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e cultura africana e afro-brasileira”.
Já na terceira parte, “Racismos Contemporâneos” relaciona a miscigenação ocorrida no Brasil com a incapacidade de autoclassificação racial. Expressões adotadas, como: moreno-escuro, moreno-claro, moreno-jambo, marrom-bombom e mulato acabam agregadas na categoria “pardo” do IBGE, sendo a categoria negra composta pelo somatório dos classificados como pretos e pardos. A fragmentação da identidade negra vem impedindo que esta se transforme em elemento aglutinador no campo político para reivindicações coletivas por equidade racial. Essa parte fala de colorismo, ou seja, da hierarquia cromática resultante da miscigenação. E também são exemplificados os problemas da mídia, diante do deboche de humoristas com “piadas” racistas e justificativas de que tais ditos fazem parte do humor.
Na parte “Cotas” é apresentado o estigma que pessoas negras carregam. E fala do fato brasileiro de que, no Brasil, a pobreza e as raças não-brancas, principalmente a negra, e pobreza são sinônimos. O negro “bem-sucedido” torna-se a exceção que confirma a regra discriminatória: se um consegue, os demais não se esforçaram o suficiente.
Já nas partes “Mercado de Trabalho” e “Gênero” são apresentadas as complicações que as pessoas negras passam — em especial, as mulheres. Se um negro e um branco estão igualmente empregados, o negro ganha menos. Se a pessoa negra for uma mulher, o quadro é ainda pior: ela ganha metade do valor que uma mulher branca pelo mesmo cargo e quatro vezes menos do que um homem branco. Fala também sobre como o trabalho doméstico foi o lugar que a sociedade destinou às mulheres negras desde a escravidão e como isso se tornou um estigma até dias atuais.
Foto: Timothy Greenfield-Sanders
Toni Morrison foi uma autora negra americana, que faleceu em agosto deste 2019. Ela nasceu em Lorain, em Ohio, numa família de classe média baixa, sendo a segunda dos quatro filhos do casal Ramah e George Wofford.
Toni nasceu no início da Grande Depressão e vivenciou as dificuldades financeiras da família. Contudo, como se repete com a maioria dos grandes escritores, Toni era uma leitora ávida desde a infância, lendo autores como Jane Austen e Leon Tostoi desde a juventude.
Em casa, ouvia de seu pai casos populares da comunidade negra estadunidense (no futuro, tal método de contar histórias influenciaria suas obras).
Em 1949, Toni entrou na Universidade Howard, formando-se em inglês em 1953. Em 1955, tornou-se mestre em inglês por Cornell. Entre 1955 e 1957 foi professora de inglês na Universidade do Sul do Texas e, posteriormente, retornou para ser professora em Howard.
Em 1966 foi contratada como grande editora da Random House, lugar em que ajudou a tornar a literatura negra popular nos EUA, publicando inclusive livros de Angela Davis.
Com relação aos seus livros, o tema central de seus romances sempre foi a experiência dos negros americanos, e assim, numa sociedade injusta e segregada, suas personagens procuram se encontrar e desenvolver suas personalidades e sua identidade cultural.
Winnie Pereira é leitora parceira da Madrepérola, arquiteta e artista nas horas vagas que ama literatura mais do que tudo e também adora cinema.
“Meu amor pela literatura nasceu antes de mim. Na barriga de mamãe já era embalada pelo poder das palavras. Era ninada pelas vozes suaves de autoras e autores enviando suas mensagens como pássaros pelo ar. Aprendi a ler repetindo esses sons mágicos. Cresci com o nariz grudado nos livros, até a miopia me fazer afastar um pouco os olhos das páginas. Mas vou viver para sempre dentro dessas páginas mágicas, que nos guiam, inspiram, empoderam e modificam. Para Sempre.”